segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Milagre no Estacionamento




Eu não sei de tudo que rola no campus do vale, mas é de conhecimento geral o problema de segurança que existe naquela imensidão de espaço meio vazio e rodeado por mato. Eles tentam esconder as ocorrências pra não alarmar a comunidade discente.

O Professor Fernando Lang contava um desses casos, assim irônico:
No estacionamento da Física uma aluna foi pega por um tarado. Ela gritava: Me larga! Me larga! Me larga!
Semana passada pegaram uma professora solteirona. E ela gritava: Milagre! Milagre! Milagre!

Coisa do Lang mesmo. Ele é bem debochado. Quer dizer, um pouquinho. Na aula dele, a epistemologia, ele manda a gente pra o quadro dar aula, aí fica malhando os nossos erros e zomba e ri. Se diverte às nossas custas. E ensina e discute. Enfim, me parece um professor realizado.


A Resistoca




Cada curso tem o seu diretório, que é uma saleta de jogos usada também para questões discentes como vender camisetas, fazer carteirinha de passagem escolar, assistir TV, ouvir rádio, beber cerveja... Pensando bem, é uma salinha de questões burocráticas na qual é possível/permitido jogar ping-pong, xadrez e sinuca. E beber.
Isso é muito importante: beber. Desde que proibiram a venda de produtos alcoólicos nos bares e restaurantes da Universidade.

Eu não sei bem qual foi o caso com o diretório da Letras: a Toca. Acho que queriam tomar a sala deles. Então fizeram um movimento chamado Resistoca. Com refrão A Toca é Nossa. A gente acompanhava porque ela fica localizada num lugar privilegiado à vista de todo mundo que entra no Campus do Vale. Mais claramente, no subsolo do Instituto de Letras.

Por falar nisso, alguém aí me diga que fim levou a Toca.


O Vale dos Gnomos




Atrás do prédio da FAUFRGS tem um lugarzinho com umas mesas e churrasqueira e coisa e tal. Pra chegar lá tem que passar por cima de um valo através de uma tábua solta. Eu nunca iria descobrir se não fosse o Renato Arrieche ter me apresentado o local, que ele apelidou de Vale dos Gnomos. É um dos bretchs do campus do Vale. Não tão frequentado quanto as costas do RU, o local sagrado.

Tem professor que fuma também, e nem conta aquela bobagem de "fumei mas não traguei". Entre os maconheiros o professor que fuma é top de linha. Grandão.


As Figuras Mitológicas




O Campus do Vale teve pelo menos três figuras mitológicas: O Claus, O Peter Pan e O Shmagorath. O Claus estudava Física no meu tempo. Estava lá há alguns bons anos. Já tinha até sido jubilado. As pessoas dizem que ele não consegue acompanhar as aulas. Ele adora perguntar as horas. Pra qualquer indivíduo. Sem mais sem menos ele te ataca no corredor e pergunta "Que horas são?". E também no meio da aula, em alto e bom som, pra o professor, que responde desconcertado e fica torcendo pra ele ficar quieto. Como ele não está matriculado efetivamente ele escolhe uma disciplina por semestre pra assistir e fica pentelhando o professor a aula inteira, isto é, quando ele vai. Só assiste quando dá na telha.

Ele faz outras perguntas também, além da tradicional. Parecem perguntas cretinas, mas tem fundamento e numa dessas ele pegou o professor desprevinido. Acho que ele estava mais concentrado que o professor e no fim este teve que concordar que o aluno tinha razão. Foi o dia da glória do Claus.

O segundo personagem era um sujeito franzino, de boa aparência, nariz aquilino e vestia umas roupas coloridas, contrastando bem os tons, de um corte semelhante ao traje do Peter Pan. Onde mais eu o via era nas cercanias do RU e da BSCSH, respectivamente, Restaurante Universitário e Biblioteca Setorial de Ciências Socias e Humanidades.

Não se manifetava como o Claus, nunca sequer ouvi a voz dele. Mas a sua simples aparição no Campus me deixava tão alvoroçada como quando eu era criança e lia a historieta do Peter Pan. Era pra mim o próprio, ou melhor, a fantasia dele que tinha tomado forma humana. Nós, entre amigos, ríamos e debochávamos da sua roupa esquisita. Acho que ele nunca se deu conta que tinha admiradores acompanhando os seus movimentos.

Parecia ser aluno regular de algum curso de humanas e eu acreditava que ele se vestia assim por alguma excentricidade apenas. É que o Campus do Vale não dita moda. Toda e qualquer vestimenta, até de monge, pode ser pelos seus frequentadores trajada e respeitada. Digo os seus frequentadores porque vão lá alunos de outros campi também, pra fazer turismo, pesquisar nas bibliotecas ou encontrar amigos.

Conheci um cara que dizia saber reconhecer um estudante de engenharia só pela roupa. E parece possível mesmo. O óculos de sol, o jeans de grife e a camiseta de motivo surfista é quase uma unanimidade. As gurias de baby look e mini saia no verão. Cabelo moderninho. Bolsa e sapato de salto no inverno. Patrícios e patrícias.

Por outro lado se o cara usa cabelo comprido ou barba comprida ou dread locks e toca gaita de boca pelo corredor afora (tinha um cara assim, aquilo ecoava), fuma maconha, veste camiseta do Bob Marley ou do Che Guevara, pode crer que não é engenheiro.

O último personagem mitológico, o Shmagorath, é, de fato, um personagem que habita as paredes dos banheiros masculinos. É o desenho de um monstro cheio de tentáculos com um olho no meio da testa, que alguém, sempre o mesmo carinha, rabisca com caneta de tinta azul. Em baixo ele escreve: Shmagorath virá.

O próprio me explicou que ele não inventou esse personagem, apenas copiou-o de um video game no qual era viciado. E inclusive ele roubou, quero dizer pegou sem a minha permissão, uma caneta de slides do meu estojo, só pra desenhar o Shmagorath.

Certa vez eu estava lá nas Catacumbas (Engenharia Velha), vendo meus e-mails. No meio do processo saí pra ir ao banheiro misto. Quando entrei gritei: Não acredito. Até nas Catacumbas. Foi a primeira e última vez que eu vi o dito cujo na parede de um banheiro.

Não vou contar que o responsável por toda essa baderna nas paredes branquinhas era estudante de Engenharia Química e que o nome dele é Renato Arrieche.

Só um lugar fértil como o Campus do Vale pra produzir um Claus, um Peter Pan e um Shmagorath.


A sessão de fotos




Dia 12 de outubro. Foi o dia que a produtora agendou para as nossas fotos do convite de formatura. Perdemos de passar o dia no lazer ou no ócio (pra quem gosta), mas ganhamos um dia de celebridade: foto com barrete, sem barrete, séria, sorrindo, vibrando, mandando beijo, vibrando, festejando, deu pra encher um álbum.

As gurias da comissão de formatura tiveram a grande idéia de levar um espelho grande de parede. Sorte minha porque saí de casa apressada e nem tive tempo de passar batom. Vermelho. Que coisa pomposa. A toga. Uma moça ligeira me vestiu. Falou: Anota ali no papel: GG. Só roupa de formatura mesmo. Meu colega criticou, pra ele é coisa ultrapassada.

Mas arcaico mesmo foi o sino da igreja repicando às 9 horas da manhã. Não sei como conseguem, em pleno século 21, tudo digitalizado, eletrônico. Deviam baixar um toque de sino direto do site do Vaticano.

Eu, verbo solto, falei bem alto que poderiam ter colocado um fundo infinito pra clicar a gente. Acho que a fotógrafa ouviu. Antes de fotografar o meu grupo (formamos grupos de 7 ou 8 pessoas) ela falou o que já tinha falado pra todos os anteriores: Vocês desculpem essa parede manchada e descascada aí atrás. É o que a casa oferece (A UFRGS). Depois ela sorriu e explicou: É brincadeira tá pessoal. Podem ficar tranquilos que os nossos designers gráficos vão fazer um recorte e colocar alguma coisa relativa ao curso de vocês no fundo da foto. Ufa!

Éramos só três do bacharelado além dos trinta e três da licenciatura. Aproveitei a demora inicial da produtora pra conversar com os meus dois colegas. Conversávamos sobre banalidades e eu empolgada introduzi o assunto da literatura. Eles ficaram atentos. Contei a eles que eu estava escrevendo umas coisas e que planejava publicar um livro algum dia.

Tão logo chegou a produtora subimos as escadas perigosas e barulhentas daquele prédio amarelo que fica de frente pra o Parque da Redenção. É mais conhecido como Anexo 2 da Reitoria. Lá fizemos as fotos com a camiseta do curso naquele fundo maravilhoso. No intervalo das fotos eu tentava puxar conversa com os guris e eles só respondiam o que eu perguntava. Depois ficavam calados de novo. Eles são um poço de comunicação. Ou eu que sou chata mesmo.

Terminada a sessão descemos as escadas para a foto no logo da universidade. A grama estava molhada da chuva recente. Foi emocionante.

Criei um apego por esta universidade. Céus! Ela construiu o meu futuro. E não foi só o diploma. Grande parte das idéias e filosofias que circulam na minha mente foram filtradas, analisadas, formadas e discutidas nos assentos, corredores, salas, bibliotecas e bares. Ela me ensinou a pensar.

Finalmente após uma série de cliques de duas sequências de fotos com dois fotógrafos distintos subimos as escadas de madeira de novo, agora para a foto individual. Desta vez noutra saleta com fundo infinito e todo o aparato de estúdio fotográfico. A gente ia tirar aquela foto em que todo mundo sai bonito: a foto "salva feio". Também todo mundo produzido, né?

Enquanto aguardávamos voltei a puxar conversa com os meus coleguinhas. Estávamos em pé. As cadeiras amontoadas num canto. Meus pés cansados do salto alto. Falei da minha pressa. Fiz um pequeno drama. O Daniel chispou: Como tu é ansiosa Lisany. E eu não só confirmei, como acrescentei: Sou ansiosa mesmo, sou tão ansiosa que chego até a pensar no meu velório. Às vezes imagino se será trágico, se estará lotado, se o dia será chuvoso, se o pastor fará discurso breve, se contarão uma pequena biografia sobre mim.

O Daniel e o Leandro me sugeriram solicitar como eu gostaria que fosse para aqueles que estivessem em vida colocassem em prática. Fui direta: Festivo. Definitivamente não gosto de choradeira.

Conversa vai silêncio vem ficou combinado que o Daniel faria o juramento e eu, pra minha alegria, o discurso. Explicaram: Já que tu gosta de escrever. E eu que tinha chegado na Reitoria triste, refletindo sobre os últimos acontecimentos desagradáveis da minha vida saí de lá bem entusiasmada. Afinal de contas sempre fora meu sonho fazer o discurso de formatura. Nem vergonha de falar em público eu tinha. Superei com facilidade a timidez dos meus 15 anos. Não que eu seja a Fafá de Belém com aquelas gargalhadas espontâneas e falar desabrido. Mas perco a noção de público quando estou tomada por alguma emoção forte. Não enxergo ninguém. E também sou de Belém.

Guardei uma frase do produtor. Eles fazem todo tipo de eventos, desde batizado até funeral. Ele contou a frase que ele mais ouve em festas de casamento: Meu pai já casou contigo, meu irmão já casou contigo, minha prima já casou contigo, agora eu vou me casar contigo.

No words.